quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A Participação Invisível

A partir dos anos oitenta do século passado, com a retomada do processo de democratização do país, pudemos assistir em quase todos os setores da sociedade, como que uma catarse, uma verdadeira enxurrada de manifestações, opiniões, discussões e debates. Enfim, era a reação natural de uma sociedade que viveu anos de repressão e censura. A década, que já começou sob os novos ventos da Lei da Anistia (1979), terminou com a nova Constituição (1988).
Surge então uma questão que passa a habitar praticamente todos os discursos, textos, artigos e documentos. A questão é: participação.
A princípio parece que estamos falando sobre o óbvio já que a democracia pressupõe participação. E, nesse ponto, não há dúvidas que houve mais avanços do que retrocessos. Quem nasceu desse período para cá, ou seja, quem tem menos de trinta anos, não sabe o que é censura ou perseguição política. Não nos moldes explícitos da ditadura! (mas como nem tudo são flores, para quem quiser entender melhor o assunto indico, entre outros, um texto assinado por Hélio Bacha no sítio da Fundação Perseu Abramo. O caminho é: www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=1575).
Bom, mas até aí, tudo bem! A participação do cidadão principalmente por meio da chamada sociedade organizada é fundamental para a democracia. O problema é quando a coisa toma ares de “clichê”. E nisso nós somos craques! É espantoso como pegamos um tema e o transformamos em assunto obrigatório...seja qual for o assunto em pauta!
Veja por exemplo a questão ambiental! Agora tudo é “sustentável”. Todos os programas governamentais falam em sustentabilidade. Todas as empresas juram que são sustentáveis “desde pequenininhas”. Com tanta gente a favor da sustentabilidade acho que nossos problemas se acabaram!! O planeta está salvo!
O Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 – regulamenta os Art. 182 e 183 da Constituição Federal e estabelece as diretrizes gerais da política urbana. É, portanto, o instrumento básico da formulação e discussão das questões ligadas ao desenvolvimento urbano. Quer dizer, tudo o que tem a ver com a cidade.
Tem por objetivo “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana” (Art.2º). Dentre as diretrizes elencadas para a consecução deste objetivo está a “gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano” (Inciso II do Art.2º).

Bom, então tá né? Vamos todos participar! Quem não for é mulher do padre!
Na verdade, é aí que começa a encrenca! Quem participa? Toda a população? Os vários segmentos da sociedade? Quantos são e quais são esses segmentos? E quem decide?
É claro que não é fácil responder a estas questões. Até mesmo porque algumas delas ainda não têm resposta, pois dependem do próprio processo participativo acontecer e se aperfeiçoar para que se possa avaliar seus resultados.
Ou seja, o que nenhum texto, documento ou Lei explica é como este processo participativo deve se dar.
Uma coisa me parece certa: é preciso educar e informar. Se o processo deve ser o mais participativo possível e não existe uma fórmula para esta participação então se deve procurar informar ao maior número possível de pessoas. Mas...informar o quê? E como? Só conheço uma forma: por meio da educação. Mas isso é meio complicado...
O que temos assistido com freqüência é uma fórmula muito conhecida: se não dá pra fazer direito, a gente finge que faz!
Aprovam-se leis onde sempre se exige a “ampla e efetiva participação da sociedade” e, para isso, criam-se “conselhos” e “comissões” onde tem assento representantes dos “diversos segmentos da sociedade”. É claro que a forma com que esses representantes são indicados e a representatividade dessas instituições é extremamente variável e totalmente fora do controle. O que, na prática, costuma ser o inverso: são sempre os mesmos e muito bem controlados!
Já participei de alguns desses “conselhos” e “comissões” (o curioso é que são sempre “participativos”, mas quase todos são apenas “consultivos”. Mas aí já é outra discussão!). Via de regra são compostos por pessoas que tem pouco ou nenhum preparo para a tarefa que lhe foi proposta (ou imposta!).
Mas então, o que fazer? Esperar a sociedade se organizar e se educar para, aí sim, criar os canais de participação? É claro que não!
Tem que fazer tudo junto! É isso mesmo: criar e incentivar os mecanismos de participação e ao mesmo tempo informar e preparar as pessoas para que suas participações tenham efetividade.
Esta tarefa é dos que estão nas posições de comando. Dos que tem formação e estão em condições de orientar e coordenar as discussões. Não basta apenas, publicar editais e enviar convites a fim de cumprir burocraticamente as leis e regulamentos, dar como cumprida sua missão e depois dizer que “não participou quem não quis”.
Nos dias 22 e 23 de janeiro último a prefeitura de Juiz de Fora promoveu a 4ª Conferência Municipal das Cidades. O Curso de Arquitetura e Urbanismo do CES não participou.